As coisas tem o significado que a gente dá para elas
Quando eu era criança, meu avô, Miguel Barbosa, me contou uma história que nunca mais esqueci.
Já a contei inúmeras vezes, para pessoas próximas e agora, resolvi compartilhar com vocês.
Natural de Areias, cidade histórica do Vale do Paraíba paulista que também serviu de pousada para o Imperador Dom Pedro II, inúmeras vezes, em suas andanças entre Rio e São Paulo, meu avô era contador de ‘causos’. Mas, acabou partindo em 1983, aos 63 anos.
Pena! Gostaria muito de ter ouvido outros desses causos dele.
Mesmo assim, ele deixou lembranças maravilhosas em minha vida.
Uma delas é essa história, que vou compartilhar, em homenagem a ele e que tem um grande ensinamento.
O rei e o angu
Há muitos séculos, havia um rei que gostava de passear pelas grandes florestas, que existiam em sua região e sempre o fazia na companhia de seus soldados e conselheiros.
E sempre que podia, ele ia um pouco mais longe e pra isso, andava bem com seu cavalo. Realmente, era uma região enorme.
Começou a surgir nele uma vontade de fazer um passeio desses, só que sozinho, sem o acompanhamento real.
Assim, um dia, ele disse aos seus conselheiros que se aventuraria nesse passeio. Prontamente, eles advertiram o rei de que essa não seria uma viagem segura. Mas, ele estava decidido. No outro dia, logo cedo, sairia do palácio sozinho, com um cavalo modesto e roupas simples.
O dia amanheceu lindo e o rei pôs-se a cavalgar. E ele cavalgou por mais de meio dia, vencendo todos os limites até onde já havia se aventurado a ir.
Quando estava em terras as quais ele nunca ainda havia visto, decidiu-se retornar, pois sabia que estava nos limites do seu reino e a noite já cairia.
Ao retornar, confundiu-se pelas veredas da floresta e acabou perdendo-se.
Já cansado de tanto cavalgar, buscando uma saída, percebeu que realmente estava perdido e sem noção alguma do caminho que deveria utilizar para voltar.
Exausto, andando pela floresta escura, que pouco era iluminada pela luz da lua minguante, avistou uma pequena casa na mata, ao longe.
Galopou rapidamente até lá. Ao chegar, desceu do seu cavalo e bateu à porta.
O banquete modesto
Uma senhora abriu e o atendeu. Tratando de não revelar sua majestade, perguntou a ela se poderia ajudá-lo a chegar ao palácio, pois estava a caminho de uma visita ao rei.
Ela prontamente lhe mostrou a direção por onde deveria caminhar e citou alguns pontos de referência, para que ele pudesse se guiar.
O nobre sentiu um cheiro de cozido e sua fome se fez notar.
A senhorinha, percebendo isso, perguntou se ele aceitaria um pouco de sua refeição.
Pensou em recusar, mas, o dia todo de caminhada e a preocupação por estar perdido aguçaram ainda mais a sua fome e ele aceitou.
Tendo sido servido por ela, o rei se deliciou com aquele prato simples. Gostou tanto que repetiu e não se cansava de elogiar.
Assim que comeu, pediu à mulher que escrevesse aquela receita, pois gostaria de sentir aquele sabor outras vezes. E ela o fez, com muito orgulho.
Feito isso, o rei agradeceu e a entregou um saco com algumas moedas de ouro.
Seguindo a direção mostrada por ela, o rei cavalgou por um longo caminho, seguindo as referências que lhe foram dadas.
De repente, encontrou com seus cavaleiros e com seus conselheiros, que o procuravam há um bom tempo e já começavam a temer o pior.
E foram todos para o castelo.
O retorno ao castelo
Ao chegar ao castelo, o rei entregou a receita ao conselheiro e pediu a ele que ordenasse ao cozinheiro mais experiente do reino que repetisse aquele prato.
Na refeição do dia seguinte, ao sentarem-se à mesa, o rei instrui que se preparassem para um prato que certamente, nunca haviam provado antes.
Assim, após todos terem sido servidos, o rei levou o alimento à boca.
De pronto, o cuspiu e gritou: “Cozinheiro incompetente…tragam-no aqui! Quero saber o por quê dele ter mudado a receita.”
Assim que o cozinheiro chegou, o rei o questionou severamente. Assustado, o pobre homem respondeu: “Meu senhor, esse é um prato bastante simples e eu segui a receita ao pé da letra.”
Convite da realeza
“Amanhã, logo cedo, quero que conheça alguém que vai te ensinar como fazer.” – disse o rei. Então, ele ordenou que encontrassem a velha senhora e que a convidassem para vir ao castelo.
Assim que ela chegou, se espantou ao ver que o homem que ela ajudara era o seu rei. Docemente, ele pediu a ela que ensinasse pessoalmente ao cozinheiro, a preparar aquele prato.
E assim ela o fez.
Na hora da refeição, sentaram-se todos novamente,
O rei estava ansioso para degustar novamente daquela iguaria, pois suas lembranças o remetiam a um sabor maravilhoso e, ao levar um tanto daquela refeição à boca, estranhou o gosto.
“Impossível!”, disse ele, completando: “O que você me serviu aquela noite era outra refeição.”
E ela disse: “Meu senhor, era a mesma refeição. O que muda, de lá até aqui, é a percepção de vossa fome. Essa refeição já é conhecida de vosso cozinheiro e se chama angu…”
Então, o monarca entendeu o que acontecera. E em agradecimento pelo aprendizado, novamente entregou algumas novas moedas à ela e ao cozinheiro.
Essa história nos fala sobre como nossa percepção sobre as coisas muda, de acordo com uma série de fatores.
Porque cada um de nós vê o mesmo pedaço de pão de maneira diferente, de acordo com a fome que tem.
“Qual o significado você dá para as coisas que te aconteceram e que acontecem com você? Que histórias sobre você, você conta para si mesmo?”
Se esse assunto te interessa, tem um vídeo em meu canal, no Youtube, onde conto essa história e falo mais a respeito. Clica aqui para ver.
Lembre-se sempre que as coisas que tem o significado que a gente dá para elas.